Parábola da semente

"Saiu o semeador a semear..." (Mc 4,3)



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Uma reflexão sobre a fé no inicio de mais um ano

Aqui, uma reflexão para catequistas, neste início de ano.

Em que eu creio?
Crer em quê? E como? E por quê?
Questionar não é negar. Pode até ser a forma de fé mais autêntica de que uma pessoa seja capaz.

Todos os domingos, nós recitamos o Creio sem refletir nas frases e nas palavras que pronunciamos. Nada nos surpreende dessa nomenclatura da nossa fé nascida do desejo das primeiras gerações cristãs de se dizerem o essencial da fé que as fazia viver. Mas, hoje, são muitos aqueles que custam a abraçar essa profissão de fé elaborada em um contexto cultural totalmente diferente. "Quanto mais eu envelheço", escreve Joan Chittister, "mais eu me impressiono ao ver que ensinamos às crianças o que os adultos não compreendem".

Joan Chittister é beneditina e, em um livro intitulado "Em que creio", retoma, um por um, os artigos do Credo para especificar a sua fé. Ela fala disso a partir da sua experiência de 40 anos de vida monástica, marcada pela doença e pelo sofrimento, pela descoberta e pelo engajamento. Sua exposição por recordações pessoais, meditação, questionamentos críticas e lições de sabedoria, por um surpreendente testemunho de uma fé para hoje. Em outras palavras, a experiência de uma vida humana.

Durante um batismo, quem preside a celebração faz claramente a pergunta: "Credes em Deus?". Essa pergunta se dirige a cada um pessoalmente e exige mais do que uma adesão automática. Por ocasião de um acontecimento desse tipo, Joan Chittister perguntou a si mesma: "Você acredita? E em que acredita?". Naquele ponto, repetindo as palavras do Credo, tomou consciência de que acreditava diferentemente.

A fé que a habita agora é muito menos segura do que há alguns anos, mas é mais vigorosa, porque "é uma fé muito mais real do que quando eu acreditava no incrível". "Eu acreditava – diz – em toda espécie de enunciados apresentados como 'fatos'. Eu acreditava até que Deus era masculino. Eu acreditava em muitas coisas em que eu não acredito mais. Então, eu tenho fé ou não?".
Joan Chittester vê uma diferença entre aderir a aspectos históricos e científicos da fé e ver na fé o mistério da criação, a luta permanente da redenção e a santidade no cotidiano.

As questões levantadas por Joan Chittister se relacionam com uma época marcada por divergências éticas fundamentais e por uma incredulidade social generalizada. A sua questão fundamental refere-se a pessoas que aderem à fé: "Em que se presume que acreditam as garçonetes e os taxistas, os jovens professores e os velhos avós, as secretárias, os contadores, os pais de crianças pequenas, em um mundo em que os profissionais da fé não conseguem pôr-se de acordo?".

O que é crer para o mundo comum?
Chegou o momento, diz-nos a autora, de desenterrar a fé sepultada sob os nossos rituais e de reanimar o sentido do mistério escondido sob respostas que não convencem mais. Chegou o momento de reavaliar o nosso lugar no mundo. Chegou o momento de crer em algo mais do que em nós mesmos.

Mas crer em quê? E como? E por quê?
Questionar não é negar. Pode até ser a forma de fé mais autêntica de que uma pessoa seja capaz. O que acontece, de fato, segundo Joan Chittester, é que homens e mulheres com novas questões sobre velhos problemas e com velhas questões sobre novos problemas convidam as Igrejas, mais do que antes, a se preocuparem com a espiritualidade, em vez da catequese. Houve um tempo em que o chauvinismo fazia da pertença religiosa um esporte de equipe. O nosso grupo tinha a verdade; os outros estavam no erro. Nós tínhamos as respostas; eles estavam errados.

A fé, adverte Joan Chittister, não é uma prestidigitação sobrenatural destinada a nos preservar das exigências da vida. A fé é o que nos permite avaliar as escolhas que se oferecem a nós em função do que é verdadeiramente real e importante na vida e, em última instância, manter a orientação de fundo.
Dizer "eu creio" quer dizer que eu me confio ao que eu conheço sem conhecer, ao que eu sinto sem ver, ao que eu quero mesmo sem ter, com tudo o que eu tenho. Dizer "eu creio" é dizer "sim" ao mistério da vida.
Joan Chittister apresenta o seu caminho de fé como um convite para continuar a nossa reflexão pessoal. Ela resume a sua fé no texto a seguir, ao qual eu me somo sem hesitação.

Creio em um só Deus
que fez a todos nós
e cuja divindade infunde toda a vida
com o sagrado.
Creio nas múltiplas revelações
desse Deus
vivo em cada coração humano,
expressado em cada cultura,
e encontrado em todas as sabedorias
do mundo.
Creio
que Jesus Cristo,
o filho único de Deus,
é o rosto de Deus
na terra
em quem vemos melhor
a justiça divina,
a misericórdia divina,
e a compaixão divina,
a que somos chamados.
Creio no Cristo
que é Um em ser com o Criador
e que nos mostra a presença de Deus
em tudo o que existe
e desperta o sagrado em nós.
Creio em Jesus, o Cristo,
que nos leva à plenitude
da estatura humana,
ao que fomos chamados a nos tornar
antes de todos os tempos
e por todas as outras coisas que foram feitas.
Por meio de Cristo
tornamo-nos novas pessoas,
chamadas a ir além das consequências
da nossa fragilidade
e elevados à plenitude da vida.
Pelo poder do Espírito Santo
ele nasceu da mulher Maria,
pura de alma
e sincera –
um sinal para as eras
do lugar exaltado
da feminilidade
no plano divino
da salvação humana.
Ele cresceu como nós
através de todas as fases da vida.
Ele viveu como nós
presa das pressões do mal
e intencionado ao bem.
Ele não rompeu nenhuma ligação com o mundo
ao que estava ligado.
Ele não pecou.
Ele nunca se afastou da mente de Deus.
Ele nos mostrou o Caminho,
viveu-o por nós,
sofreu por causa dele,
e morreu por causa dele
para que vivêssemos
com um coração novo,
uma mente nova,
e uma nova força
apesar de toda a morte
a que estamos diariamente sujeitos.
Para o nosso bem
e pelo bem da Verdade eterna
ele foi perseguido,
atacado
e executado
por aqueles
que eram os seus próprios deuses
e que não valorizavam o sagrado
em nenhum outro.
Ele sofreu para que pudéssemos perceber
que o espírito em nós
nunca pode ser morto,
seja qual for o preço que tenhamos que pagar
por nos mantermos fiéis
ao desejo de Deus.
Ele morreu
mas não morreu
porque ele vive em nós
ainda.
"No terceiro dia" no túmulo
ele ressuscitou
naqueles que ele deixou para trás
e em cada um de nós também
para viver nos corações
que não sucumbirão
aos inimigos da vida.
Ele mudou toda a vida
para todos nós desde então.
Ele ascendeu para a vida de Deus
e espera lá
pela nossa própria ascensão
para a vida além da vida.
Ele espera lá,
julgando o que foi antes
e o que ainda está por vir
contra os valores infinitos
e, em nome da virtude eterna,
pelo tempo em que toda a vida
será reunida em Deus,
cheia de vida e de luz,
embebida de verdade.
Creio no Espírito Santo,
o sopro de Deus
sobre a terra,
que mantém a visão de Cristo presente
às almas ainda na escuridão,
dá vida
mesmo aos corações agora cegos.
Infunde energia
em espíritos ainda cansados, isolados,
em busca e confusos.
O espírito falou
ao coração humano
por meio dos profetas
e me dá sentido
à Palavra
ao longo do tempo.
Creio na Igreja una, santa e universal.
Unida pela santidade da criação
e pela santidade dos corações
sempre verdadeiros.
Reconheço a necessidade
de ser liberto das compulsões
da minha vida desordenada
e a minha necessidade de perdão
diante da fragilidade.
Busco a vida eterna
de formas que eu não posso nem sonhar
e confio
que a criação continua criando
neste mundo
e em nós
para sempre.
Amém.
Amém à criação, ao Deus que é vida, à coragem, à esperança, ao espírito da verdade, à natureza, à felicidade, à plenitude, ao lugar das mulheres no plano de Deus, ao Cristo que nos chama para além os limites de nós mesmos, ao perdão, a tudo o que faz da vida o primeiro passo na expansão do coração para as dimensões de Deus. Amém. Amém. Amém.
Em tudo isso, nós certamente podemos crer.
Como Deus fez.

Diácono francês Robert Hotte

Não deixe de ler o livro de Joan  Chittester "Para aprofundar o creio"

Nenhum comentário:

Postar um comentário